segunda-feira, julho 14, 2008

(Desacoplagem em ponto zero)

Lehgau-Z Qarvalho
(Inspirado na obra do artista plástico Hélio Fervenza)


Em todos os tempos os dias começam e terminam. Mas nunca terminam porque sempre recomeçam. E as noites são os finais dos dias; e os seus começos. E os seus recomeços. E os seus refinais.

Eu saía sempre perto do mesmo horário. E voltava da mesma forma. E pensava que todas as mulheres eram iguais. E pensava que a vida era dividida, compartimentada. E dizia que nada será como antes; e que todo pensamento é dialético; e que todo amor é hipotético; e que todo dia ela faz sempre tudo igual e acorda às três horas da manhã; e que não me amarro a dinheiro não; e que amigo é coisa para se guardar. Eu saía perto do mesmo horário. Todo dia. E voltava. E que nada, nunca, irá mudar. E saía. E que ela é só ela. E voltava. E saía. E voltava; a constatar.

Um dia, ao passar por uma porta com sensor automático para abrir e fechar, fiquei entre vírgulas. Elas estavam bem ali, grudadas no vidro fumê, as vírgulas. Elas afastavam-se, eu entrava, entre vírgulas. Eu saía, afastavam-se; eu: entre vírgulas. Como um universo em eterna retração e expansão. E eu, entre vírgulas, me vi à espera do Big Bang.

E li que uma galinha, em Cuba, teria posto o maior ovo da história. E que um californiano mantinha o título mundial, pelo segundo ano consecutivo, de campeão dos comedores de cachorro-quente. E que dois pulsares na órbita um do outro dão razão a Einstein. E que eu poderia estar feliz, mas sentindo o contrário.

Passando por um outdoor, desencontrei-me entre parênteses. Tentei virar um ponto de exclamação! Ao pular – um travessão, tinha: dois pontos. E não era um antes e um depois, mas um em cima do outro. Assim como são feitos os bebês. Mas eles não se tocavam: o de baixo quase encostava-se à linha, o outro flutuava. Assim como são feitos os casais. Desafiavam as leis da física. Um avião deixou de sê-lo ao ser anexado a uma carta de amor. E o elegante ponto-e-vírgula; quase em desuso.

Perdi as esperanças, mas logo as recuperei. Um dia sentado, caído, deitado; no outro andei. Puxei meu lenço metafísico e pus para fora o tanto que sempre me resta: escrever uma história no corpo de alguém. Eis a missão. Existem humanos que optam por ser escritores; existem escritores que optam por ser humanos. E eu ali, em outra dimensão.

Ela veio e me disse para parar de voar. Eu ali, pardal joão-de-barro. Ela hospital, doenças, pé no chão, curando os outros. Eu sei. E quem cura a alma?! E a de quem cura?! Vida não é curra. E é. O tempo inteiro. E urra quem quer; desobedece quem precisa. E eu ordeiro; querendo não ser. E eu cordeiro; querendo comer. Alimento em si; uma vontade; louca. (Em todos os tempos os tempos começam e terminam. E as dores são os finais dos tempos; e os seus começos. E os seus refinais. E as suas veias abertas. E os seus corre dores. E os seus recomeços). Cansei, pensei. Fluir, desaguar, investir, inverter, desafogar, sentir, parir, desfronteirizar.

Inverti os parênteses: eu no meio )final de um sem começo; começo de um, outro, sem final(.

Um comentário:

Unknown disse...

"(Em todos os tempos os tempos começam e terminam. E as dores são os finais dos tempos; e os seus começos. E os seus refinais. E as suas veias abertas. E os seus corre dores. E os seus recomeços)."


Lindo, poético e assustador ao mesmo tempo. Eu já senti isso, mais de uma vez... e é bem assim... na mosca caro escritor!! Como sempre... :), :), ;).
Beijo