Foto: Jéssica Rosa
Pai, pai, pai, olha só ali: um “véio”
andando de skate!
O pai puxa com força a mão da filha, de
seus quatro ou cinco anos de idade, a fim de que ela entenda que é para ficar
quieta. A menina continua estupefata olhando para o ser, cerca de quatro
décadas mais velho do que ela, se afastando sobre rodas de uretano.
Começo a rir sozinho enquanto deslizo
para longe e, em uma tentativa quase inconsciente de acompanhar o “manual do
senso comum para reações relativas a esse tipo de comportamento”, penso em qual
deveria ter sido a minha reação no momento exato. Eu poderia ter ficado muito
bravo com os pais da menina, e passar o dia, talvez a semana e quem sabe até o
mês inteiro a reclamar da atitude de pessoas que, agindo e pensando de forma
conservadora, passam todo tipo de preconceito de geração em geração fazendo com
que esse mal nunca se termine.
Eu poderia ter me envergonhado ao ponto
de me perguntar se realmente não estou muito velho para andar de skate e
encontrar uma resposta afirmativa dentro de mim. O que me faria guardar o skate
em casa e jamais mencionar o ocorrido a ninguém, deixando de me permitir
desfrutar do imenso prazer que tenho em praticar o esporte.
Eu poderia ainda ficar argumentando por
aí que apenas ando de skate para acompanhar o meu filho pré-adolescente. O que
contribuiria para melhorar a minha imagem em duplo sentido: não ficaria
parecendo, aos olhos dos demais, um maluco entrando na crise de meia idade, e
ainda faria com que todos pensassem que eu sou um verdadeiro exemplar de pai
presente. Uma espécie, nos dias de hoje, de superpai.
Ou poderia argumentar que skate é
apenas um esporte como outro qualquer e que não há uma idade específica para
praticá-lo de forma amadora; que ninguém se espantaria com uma pessoa de
quarenta e quatro anos ou mais, muito mais, que estivesse jogando futebol,
vôlei, tênis ou andando de bicicleta.
Sim, eu poderia fazer tudo isso ao me
levar a sério demais; e solapar os meus instantes de felicidade logo no início
de um domingo ensolarado e de temperatura amena em pleno inverno, acabando de
vez com mais uma bela oportunidade de sentir prazer e engrandecer o meu
espírito com boas energias. Que é exatamente o que sinto ao embalar, subir e deslizar no asfalto sobre a pequena tábua coberta com uma lixa, montada sobre um sistema simples de eixos
em metal e amortecedores de borracha, presos a quatro pequenas rodas feitas de
um material chamado uretano. Felicidade simples, de baixo custo e sem efeitos
colaterais.
Mas o melhor mesmo é que, através do ocorrido,
pude perceber tudo isso que escrevo aqui. Só tenho a agradecer à menina por ter
me proporcionado ambas as oportunidades: a de ter me levado a momentos de
reflexão para aprimorar o autoconhecimento; e a de ter me possibilitado mostrar
a ela própria, já desde cedo, que outras possibilidades existem além do
rigidamente estabelecido pelos padrões sociais vigentes.
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2 comentários:
Tuas percepções vem embrulhadas em papel tipo seda; dá gosto de ir abrindo e descobrindo o que botaste ali dentro.
Uma perspicaz reflexão, caro mestre.
Concordo, pra não ser tolo, principalmente com as partes que não disseste.
Tal abraço!
Mui grato pelo belo comentário, meu caro!
E que esse papel de seda a que te referes seja do tipo assinado pelo senhor Baricco!! 8)*
Baita abraço.
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