sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Escrever para quê?!

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Às vezes me pergunto: para quê, afinal, escrevemos?!  Que diferença faz?! A quem de fato interessa nossas esquisitices, idiossincrasias, viagens, fantasias e elucubrações colocadas no papel?! Para quê, exatamente, eternizar todas essas coisas e atulhar prédios e mais prédios que chamamos de bibliotecas, ao redor de todo o mundo?! Para ganhar dinheiro, apenas?! Não mesmo! Por traz de tudo isso há uma responsabilidade.

O fato de termos longos catálogos de palavras e explicações, por vezes nos faz pensar que as explicações esgotam as palavras, e que qualquer uma dessas palavras pode ser trocada por outra. Mas no fundo sabemos, e o escritor há de sentir, que toda palavra subsiste por si mesma. Que cada palavra é única. Mesmo quando às tomamos emprestadas para expressarmos o que de fato é nosso: o sentimento. Borges disse: “essa história de as palavras começarem como mágica e serem reconduzidas à mágica pela poesia, é, a meu ver, verdadeira”. É de se supor que uma nação desenvolva as palavras de que necessita. Uma língua não é como somos levados a supor pelo dicionário, a invenção de acadêmicos ou filólogos. Muito ao contrário: ela foi e continua sendo sempre desenvolvida através do tempo, por camponeses, por pescadores, por caçadores, por cavaleiros, por vendedores, por pais, por jovens, por lideranças e até por idiotas. A língua não vem das bibliotecas; a língua vem dos campos, do mar, dos rios, da noite, do sofrimento, da poesia, do asfalto, da aurora.

A linguagem é necessidade! Não há como negar. E escrever é transcender.

Assim como muitos, de muitas culturas, já acreditaram, eu creio de verdade que as letras do alfabeto são muito mais do que apenas pequenas marcas, manchas ou possibilidades de comunicação, alinhadas no papel. Eu acredito que, assim como as runas nórdicas, as letras são símbolos mágicos poderosos; que podem ser usados para lançar sortilégios ou predizer o futuro. Letras têm significação cósmica.

E escritores, ao usarem as letras, se tornam xamãs: ou, conforme Vogler: “curandeiros feridos”. Escritores, assim como os xamãs, ao se prepararem para seus ofícios, enfrentam terríveis provações. Podem passar por uma doença perigosa, ou caírem de um rochedo e se quebrarem inteiros. Podem passar por dores horríveis no peito, ocasionadas por uma fêmea. Podem ser mastigados por um leão ou esmagados por um urso. Escritores, assim como os xamãs, são despedaçados para depois terem suas partes reagrupadas de uma nova maneira. Em certo sentido, morrem para renascer e suas experiências lhes dão poderes especiais. Muitos escritores só descobrem a sua vocação após um vigoroso abalo em suas vidas.

De certa forma, escritores compartem o poder divino dos xamãs. Não apenas viajam para outros mundos, mas os criam, em outro tempo e espaço. Quando escrevem, realmente viajam a esses mundos de suas imaginações. Qualquer pessoa que tenha tentado escrever a sério sabe que é por isso que precisamos de solidão e concentração. Como escritores, essas viagens não são apenas um ato de sonhar acordado, e sim de viajar como xamãs, com o poder mágico de engarrafar esses mundos e trazê-los de volta sob a forma de histórias, para compartilhar com os outros.

Escrever é uma viajem muitas vezes perigosa para dentro de nós mesmos, enfrentando as profundezas de nossas almas na tentativa de trazer de volta o Elixir da experiência; ou, em outras palavras, uma boa história. Pouca autoestima ou confusão sobre nossos objetivos podem ser as Sombras (no pior dos sentidos) que amedrontam nosso trabalho.

E assim como os xamãs, nossas histórias têm o poder de curar, de fechar feridas, de fazer o mundo ficar novo outra vez; e de oferecer às pessoas metáforas através das quais elas possam compreender melhor a si mesmas e suas vidas. Quando tentamos curar nosso povo, através da sabedoria do mito, somos xamãs modernos. Eis a responsabilidade.

De resto, não creio que um dia os homens se cansarão de ouvir ou de contar histórias. E se, junto com o prazer de nos ser contada uma história, tivermos sempre o prazer adicional da dignidade dos ventos – que tudo carregam –, e da experiência da transformação e de novos alinhamentos dentro de nós mesmos, então algo grandioso terá acontecido; e o objetivo de tudo isso terá sido alcançado.


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6 comentários:

Frank de Souza disse...

Maravilhoso!! Eu, que quando muito, me considero um mero redator, acredito que o texto tenha ficado perfeito para o meu trabalho, para a minha vida.

Grande abraço.

Alexandre Carvalho disse...

Mui³ agradecido Frank! Objetivos alcançados. 8)*

Forte abraço.

Ana Lúcia Pompermayer disse...

As metáforas da compreensão de si. É isso, escrever. No alvo, mais uma vez, Mr. Alexandre.

Germana Zanettini disse...

Bravo!

Alexandre Carvalho disse...

Conhecer-se para escrever; e escrever para se conhecer.

Grato cara comparsa!

Alexandre Carvalho disse...

Sempre agradecido cara Germana! 8)*