Lehgau-Z Qarvalho
Existe um precipício no meio de duas gôndolas de supermercado. Junto às tentativas de escolha, fica-se no vazio, ligado aos dois cumes por meio de fios de possibilidades e correntes de sensações e passarelas sanguineas. Caminha-se entre trilhos de farinhas e sístoles de açucares, atentando sempre para não enfiar o pé nas diástoles; ou agarra-se aos fios de ovos. Abaixo não há nada por milhares e milhares de metros: passam algumas nuvens; mais abaixo, entrevê-se o fundo do desfiladeiro.
E ela.
Essa é a base do que vejo: uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de se elevar, está pendurado. Escadas de tortas, lâmpadas, seios em forma de figos, varais, atum em latas azuis e verdes e pretas, panelas, assadeiras, carinhos de dedos longos, chuveiros, maçãs, vestidos leves com botas de caubói, acelgas, alcaparras, costelas, picanhas, maminhas, vazios; peitos de frango, gengibre, ervilhas, orégano, meias de nylon, jaquetas, molduras, azeites, malbecs, shiraz, cabernets, pepinos, bananas, lábios entreabertos.
E eu.
E se ao aterrissar eu não souber dizer meu nome?!
A memória é redundante: repito-me a mim mesmo para que eu possa começar a existir.
Suspensa sobre o abismo, a vida em mim é menos incerta que a de outros amantes. Sei que a rede não resistirá mais que isso. Acredito. Pronto.
A confiança e a prudência deveriam marcar hora para a obtenção de um encontro, conforme o rótulo do produto tóxico.
Convicto de que cada inovação em mim influi no desenho dos meus céus, antes de qualquer decisão calculo os riscos e as vantagens e os riscos e as vantagens e os riscos e as vantagens e os riscos e as vantagens e os riscos e as vantagens para os restos das minhas almas e dos meus mundos.
E ela se dirige ao caixa, paga e vai embora.
sábado, julho 10, 2010
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Um comentário:
Belaa palavra entre as gôndolas. Suspensas em poesia, biscoitos e creme de leite.
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