quinta-feira, fevereiro 26, 2009

As intermitências do norte

E lembra-se de quando eram dois. Sedentos. Irresistíveis para ambos. Lembra-se de uma noite. Chovia. Úmidos. Os dois. Desertavam-se, em dois. Choviam-se, de dois. Aperfeiçoavam-se, a dois. E, ao fim, e depois, eram-se mais. Mais que dois. Desmontavam-se. Queriam-se. Erguiam-se, abaixavam-se. Rebaixavam-se a si mesmos, para sobrevoarem-se logo em seguida. Bebiam-se. Desgraçavam-se embebidos em seus hálitos para logo (re)abraçarem-se. Re(des)montarem-se. Sufocarem-se em seus lençóis imaginários. Reverem-se. Reviverem-se. E, ao debruçarem-se sobre seus lamentos sentimentos parcos momentos arcos de alentos, desertificarem-se.

Escolhiam-se dentre todos outra vez. E a cada vez. Eram-se novos. Recentes. Amantes à primeira vista intermitentes. Apalpavam-se. Deglutiam-se.
Drogaditavam-se de dois em apenas um que era duplo de si em formato único porém desmembrável em outro um. E prometiam-se. Atomizavam-se. Rezavam-se para nunca mais terminarem-se. Desmontarem-se um do outro. Descolarem-se. Desacoplarem-se. Cederem às suas inquietações, ambições, (des)realizações onde não cabiam, ou um, ou outro; os dois.

Queriam-se, desejavam seguir se tendo.

Até um amanhecer de beira de praia. Amanheceres de ilhas à luz de luas marcianas. Luas persianas. Sentiam que podiam ir além. Contra tudo, todos e quem mais aparecesse. Eram nus, unidos feito gregos e troianos. Feito dias horas minutos segundos; em anos. Eram, a uma só tempo,
aristotélicos e platônicos. Eram duas dimensões e eram cônicos. Eram a noite e seu final. Do falsificado e do original. Eram em um, em dois, em três, em quatro, em cinco. Eram a criança, o ancião, o paralítico, o criminoso supliciado e o defunto. Eram todas as parábolas, apologias, lendas, histórias, chistes, alegorias; deuses e medusas. Eram o poeta e suas musas. Todas as unidades e suas dúzias. Eram a si e seus budas; a possibilidade e seu incremento.

Eram, os dois, só, esse mo(vi)mento.

2 comentários:

Ana Lúcia Pompermayer disse...

Ainda estou a recuperar o fôlego! Ufff!

Unknown disse...

"Escolhiam-se dentre todos outra vez. E a cada vez. Eram-se novos. Recentes. Amantes à primeira vista intermitentes." Lindo, lindo isso!! É daquelas coisas que quando lemos temos a imediata sensação de que jamais esqueceremos. Passam para dentro de nós... para sempre.

:*