sábado, novembro 22, 2008

Consoantes incidentais

(Relato breve de uma necessária despedida)
Lehgau-Z Qarvalho


E não hesitava em pegar na sua xícara de café porque não conseguia deixar de pensar que não são as mãos que pegam nos objetos, mas sim os objetos que pegam nas mãos. E no resto; todo. Assim como também são as almas das pessoas perdidas que abraçam nossas vidas, e não nós que desatamos; nós.

Quando os dois se encontraram, um já estava morto; só que não sabia.

E a xícara vinha certa a aquecer-lhe as mãos e o interior dos pensamentos sentidos e dos sentimentos pensados. E vinha envolvendo-se grato e feliz por ser quem era, rodeado de interiores magníficos bem ao seu alcance, e alcançado por eles, nos mais, por vezes, absurdos lampejos; ou mesmo em um só brilhante relance. Agarrava-se à xícara feito ela a ele. Feito primeiro dia. Feito última chance.

Consoante: fonema em que a corrente de ar, emitida para a sua produção, teve de forçar passagem na boca, onde determinado movimento articulatório lhe criou embaraço; entrava no dicionário e saía no bagaço. Procurava as palavras certas, letras firmes entre vogais. Algo constante. Algo a mais.

Era o último dia. O primeiro do resto. O dia para sair da apatia. Da boca nada vinha, nada ia. Escrito pela mão não conseguia. Ou agia, ou letargia. A coragem a lhe faltar. Os anos a lhe enredar. Em rede a navegar; conhecido de dias incertos, por isso interessantes, por isso não menos extenuantes. Já vira, ainda não provara; este nu, antes.

Quando os dois então viveram, apenas um sobreviveu; sem saber ao certo quem era.

E esperava pela senha. Pela deixa. A deixa. Ah, deixa... Franzindo o cenho; respondia-se que não. E adormecia. Adormentava-se. E consumia-se. Bebia-se lento, em goles curtos. E desistia-se. Mais um pouco, só mais um pouco; meio ereto, meio louco.


Quando vem a crise, pensa-se outro. Sente-se incompleto. De si já repleto.

E quando menos espera, em trovoada se faz um céu. Atordoa-se. Lembrado pela existência; é largado pela xícara. Pela janela é olhado; e nublado pelo tempo. É fechado pela mala, vestido pelo casaco, aberto pela porta e ganho pela rua. Enquanto a calçada o caminha para longe e para sempre, sentido é pela brisa em vento. Uma luz se faz seu rosto; raio; gosto; e escorre...

em lágrima;

profundo,

tal qual açúcar sal

do sabor,

rumo

ao interior

do novo i-mundo.



5 comentários:

Unknown disse...

Se eu tivesse de destacar apenas uma parte deste textocontopoematudomarvilhososentimentopuro, eu não poderia fazê-lo. É tudo tão perfeito: palavras, frases, rimas, tempos, pontuação, imagens, situações, ritmos. Tudo tão azeitado, funcionando tão bem, que não há o que tirar nem por. É só ler e deixar-se fluir pelas ondas magnéticas aqui expostas. Deus meu, eu queria ser você... (falando sério, muito sério!!). Quanto mais eu lhe leio, mais me convenço de que escrever vale a pena. Ah, vale...
Beijo

Unknown disse...

"...rumo

ao interior

do novo i-mundo.", sóóó podiiiaaa seeer coisaaaa maravilhooooosaa de um geniaaaaal seeeer i-Lehgaau!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[:)][:)]:):):):):):):):):):)
Beibeeeeeeeeii...................................................

Reges Schwaab disse...

pleno. nobel.

é o que Há!

Andréia Pires disse...

gostei muito. primeira vez que leio o que escreves e me surpreendi. de um jeito bem bom. :) vou lá ler o teu single...

Pensamentos Escritos disse...

Nada a se acrescentar, nada para tirar... Perfeito!