quarta-feira, junho 06, 2007

Complexidades

Lehgau-Z Qarvalho


Voltei para o prédio onde ficava o meu quarto e propus para a senhoria limpar os banheiros, pintar as paredes, lavar a louça, qualquer coisa. Eu precisava ter onde dormir e, mais do que isso, necessitava reaver o meu PC. Ela jamais mostrara muito os dentes para mim. Era uma mulher dos seus cinqüenta e poucos anos; cabelos longos, porém eternamente presos; roupas surradas e fora de moda; olhar triste e lábios carnudos.

Sim, pela primeira vez eu reparava em seus lábios. Ela falava e eu já nem mais a escutava. De pé, parado na porta, eu apenas fitava sua boca movendo-se e espiralando palavras soltas no ar. Passei a sentir também o seu perfume. Suave. Notei que estava um tanto embaraçada. Eu disse então que precisava ir ao banheiro. Ela permitiu que eu entrasse em seu pequeno apartamento no andar térreo. Ofereceu-me um café; acompanhado de uma deliciosa torta de cerejas. Olhei-a bem dentro dos olhos. O marido falecera há muito. Mais de uma década, falou-me. Senti seu hálito. Doce. A pele macia e trêmula. A respiração ofegante. A noite a adensar-se. O café a esfriar sob a puída toalha branca.

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