terça-feira, julho 24, 2012

Um segundo, plano


Um segundo, plano
Alexandre Carvalho


Houve um tempo em que eu não sabia bem ao certo se era feliz. Mas agora tenho serias dúvidas a respeito daquilo que sinto e o que procuro. Meus medos são de não conseguir retornar; ao mesmo tempo eu nem sei se quero partir. Gostaria de poder me desangustiar só por um segundo e convencer a mim mesmo de que tudo vale a pena quando a alma não é problema. Eu trouxe ao mundo responsabilidades das quais não me arrependo nem um pouco. Mas as uso para não me decidir e não me decidindo julgo já ter me decidido. Mas não é bem isso. Eu só quero ser ir profundo. Escrever tudo de mim em uma carta, colocar em um envelope de papel pardo e me enviar pelo correio para mim mesmo. E ao perceber a chegada do carteiro, fazer de conta que não sei de nada. Ir até a caixa de correspondência com total displicência e surpreender a mim mesmo ao me ver ali estampado de peito aberto e espírito arregaçado para que meus olhos possam chorar de emoção o que fui, o que sou e o que serei. Eu quero aquele beijo que eu nunca me dei. Quero lançar mão de um pensamento que se foi e jamais voltou só que voltando sempre para me lembrar de que já se foi. Quero beber o meu suco amargo ao pé da cama enfeitiçada por mil duzentos e sete demônios díspares com falência múltipla de órgãos de igreja catedral. Quero partir de mim para mais longe percorrendo ávido a minha corrente sanguínea. Visitar meu coração não sem antes participar às minhas vísceras. Comer a mim mesmo e me jogar ao mundo pelo meu cu. Ser fluido podre e fétido antes de voltar a me ver nu.  E latejar num falo e me fazer gosma espermática e fecundar um óvulo perdido no ventre de alguém desconhecido roubando informações novas de um DNA de vidas passadas e momentos presentes ausentes em meu código de ética. E ser gerado e redegenerado em outra barriga estúpida entupida de mim até o pescoço enrolado em um cordão que dá e tira a vida em um segundo antes de ser reparido ao mundo cão. Eu queria e desqueria um irmão. Eu queria ser só, mas com todo mundo ao meu redor. Eu queria ser só aquilo que se pudesse pensar em um segundo e nunca mais voltar voltando sempre para assombrar os que não conseguem ver que a cada segundo um segundo morre e outro acontece. Uma alma vib(o)ra e outra agradece. 


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2 comentários:

elia disse...

Genial! GENIAL! Um tesão de leitura!

Alexandre Carvalho disse...

Parido de um suspiro só ontem à noite. Mui grato, pois! 8)*