sábado, maio 07, 2011

O dia em que Darwin errou

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O dia em que Darwin errou*


Lehgau-Z Qarvalho



Nós, os seres humanos, como espécie, teríamos tudo para dar errado já que não possuímos muitos dos atributos de outros coleguinhas do reino animal. Só para citar dois destes atributos: temos, por exemplo, a mandíbula fraca, se comparada à dos grandes felinos; e nossa prole fica muito tempo na dependência dos pais, ao contrário dos filhotes de pássaros que em poucos meses já estão prontos para decolar.

Mas, por mais incrível que possa parecer, nossa espécie conseguiu transformar esses pontos fracos em fortes. Foram exatamente essas fraquezas que nos levaram a criar instrumentos maravilhosos, extensões de nós mesmos, como – além da roda e da habilidade de produzir fogo, é claro –, a escrita, a prensa, a telefonia móvel, os cérebros eletrônicos, os motores e os pedaços de nós mesmos como peças de reposição.

E para isso não foi necessário ser forte.

Há cerca de 2,5 milhões de anos o Homo habilis, surgido na África, mais especificamente no Quênia, ao utilizar as mãos para lascar pedras e fazer machadinhas e outros instrumentos e utensílios, manifestou o que se conhece como a primeira expressão de criatividade da humanidade. A partir da ilha de Java, na Indonésia, difundindo-se para a Europa e a África, de 1,5 milhão de anos até 300 mil anos, o Homo erectus já dominava a arte de fazer raspadores e facas de qualidade superior. Derivada do Homo erectus, de 500 mil anos até cerca de nove mil anos, direto das savanas africanas, surgiu uma nova linhagem: o Homo sapiens; que, há aproximadamente 30 mil anos, criou os primeiros arcos e flechas e seguiu criando ao utilizar o couro e o osso para fabricação de artefatos, lamparinas de óleo e agulhas para cerzir roupas e calçados. Até que descobriu a agricultura e fixou-se em terras férteis com água em abundância e deixou de ser nômade. E os avanços não deixaram mais de ocorrer e em ciclos cada vez menores.

Daqui para adiante podemos passar pelos gregos e os mitológicos criativos atenienses, Dédalo e seu filho Ícaro, e a invenção do labirinto, encomendado pelo rei de Creta, Minos, para aprisionar o Minotauro. A qual, ao desagradar o rei, acabou por fazer com que ambos, pai e filho, fossem condenados a prisão. Ato que, por consequência (ainda que Ícaro tenha passado dos limites), leva-os a usar mais uma vez a criatividade para escapar, inventando asas feitas de cera e penas.

E podemos ir em frente citando a Idade Média e o uso da pena de ganso para a escrita. E incluindo as grandes e revolucionárias invenções chinesas: a pólvora, a bússola, o papel e a prensa. Sem esquecer que as duas primeiras adicionadas da vela e do timão impulsionaram a navegação e a consequente colonização européia e outras partes do globo. E as duas últimas foram essenciais para registrar e espalhar o conhecimento, tal como o conhecemos hoje, por todos os cantos do mundo.

O século XVIII, com a criação de novas fontes energéticas, como o vapor e a eletricidade, culminou em uma verdadeira reestruturação social que induziu-nos às sociedades urbanas e à divisão do trabalho. Com essas bases, o século XIX foi marcado pela produção em massa.

E daí chegamos ao mundo pós-industrial, ou pós-moderno, ou pós-iluminista, onde privilegiamos menos a produção em massa do que produtos exclusivos, fabricados em pequenas quantidades e com o toque pessoal do autor. Um tempo em que, como diz o pensador francês Gilles Lipovetsky, o ser humano é um narciso responsável, com um olho focado em si mesmo enquanto o outro espia ou apóia alguma causa social; da reciclagem de lixo à preservação do planeta.

E tudo isso por força da inadaptação e da sua consequente criação de necessidades; da intuição; da inteligência; da perspicácia; da persistência (porque criar é um ato, ou vários atos, que se movimentam entre tentativas e erros e novas tentativas até o resultado final); e o prazer de ter chegado lá, de ter construído algo, não importando em que área do conhecimento estejamos envolvidos.

Isto posto, sinto dizer, mas, neste sentido, o caro senhor Charles Darwin estava errado. Conforme a sua teoria da evolução das espécies: só os mais fortes sobreviveriam. Mas, passados tantos anos, é possível afirmar com propriedade que não; não são os mais fortes que sobrevivem, mas os mais criativos. Os mais afortunados foram e continuam sendo aqueles que conseguiram passar seus genes para frente convertendo revezes em vitórias. Ou, em outras palavras: agarrando e espremendo o limão e saboreando, como resultado, um esplendido suco da fruta.



Assim sendo, que mais e mais sucos e néctares de toda espécie se aproximem de nós com o intuito de fazer-nos o bem; e que, criativos, saibamos captar as suas essências para transformarmos o nosso mundo e o de muitos outros seres em um lugar melhor para se viver.

E para que isso aconteça da melhor maneira possível – sempre –, digo e repito: Que a sensibilidade nos acompanhe!





Foi um imenso prazer tê-los como colegas em sala de aula.









Porto Alegre/Novo Hamburgo, maio de 2011.








* "Discurso" de encerramento do Curso de Desinibição Textual e Escrita Criativa - 3° edição - na Universidade Feevale.

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