quarta-feira, março 16, 2011

A geração.com e seus Davis online

     Foto: Caco Argemi/ Palácio Piratini


A geração.com e seus Davis online
Lehgau-Z Qarvalho


Na noite da última terça-feira (15/03), jantando no Palácio Piratini a convite do Governador do Estado, Tarso Genro, e do Secretário de Estado da Cultura, Luiz Antonio de Assis Brasil, onde a pauta girava em torno da geração.com e o papel das artes e humanidades no Fórum Social 2012, pude reafirmar, através da minha fala e das falas dos demais presentes, o que venho dizendo já há alguns anos a respeito da Internet e seus usos e influências nos mais diversos setores da sociedade. Só para citar uma das mais recentes situações ligadas ao uso da comunicação virtual: o ditador da Tunísia foi derrubado em menos de um mês após permanecer no poder por 23 anos. É de domínio público a forma como os oponentes de seu regime conseguiram derrubá-lo. Em duas palavras: Facebook e Twitter. Essas duas redes sociais permitiram que os manifestantes tomassem as ruas, organizassem a oposição, recrutassem novos manifestantes e sobrepujassem as forças policiais e militares.

Os tempos são, decididamente, outros. As forças de oposição estão conectadas. Isso nunca aconteceu antes na história do mundo. As massas podem se comunicar instantaneamente com outras pessoas de ideias iguais a um custo muito baixo: um computador e uma conexão de internet.

É claro que se o governo da Tunísia tivesse optado por utilizar armamentos mais pesados do que bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para reprimir os protestos, ele provavelmente teria conseguido acabar com a rebelião. E se tivesse combinado o uso dos armamentos com o bloqueio completo da internet, ele teria conseguido aniquilar os protestos. Porém, para conseguir fazer isso, o regime teria de ter agido de modo muito rápido. E não é só: governos autocráticos hoje são cada vez mais receosos de utilizar metralhadoras e fuzis em protestos populares, com medo da condenação internacional. Há negócios em jogo. Muito dinheiro. Em qualquer situação é praticamente certo que dezenas de pessoas estarão gravando o evento em suas câmeras e celulares para imediatamente transferir as imagens para um satélite que se encarregará de espalhá-las pelo mundo em questão de segundos. O baixo custo das telecomunicações está possibilitando aos manifestantes expor as políticas de seus governos para que todo o mundo possa vê-las.

De modo geral, governos tendem a querer controlar o fluxo de informação e manipulá-la o mais rápido possível. Mas eles não podem fazer nenhuma dessas duas coisas quando a internet está operante, já que as imagens são enviadas muito rapidamente e capturadas pela imprensa mundial de forma instantânea. Governos não têm como manipular informação visual; e é exatamente aí que eles ficam encurralados.

Outro exemplo recente, de menores proporções, mas não menos importante, é o caso do atropelamento de mais de uma dezena de ciclistas do movimento Massa Crítica em plena manifestação pacífica pelas ruas da capital gaúcha. Ao que tudo indicava o descontrolado cidadão que acelerou o seu automóvel contra mais de uma centena de ciclistas porque estava incomodado com o fato de não poder trafegar livremente, iria sair impune porque alegou que teria sido “ameaçado pelos ciclistas”. Mas, mais uma vez, com o uso de uma gravação em vídeo do momento exato do atropelamento enviada rapidamente para o Youtube para que corresse o mundo, ele acabou por ser preso. O vídeo gerou protestos em diversos países. Ciclistas foram às ruas. E o caso já virou um marco na história do movimento, cada vez maior, de pessoas querendo desobstruir as ruas e avenidas das grandes cidades, retirando de circulação veículos automotores e, por consequência, diminuir os altos índices de poluição.

Estamos vivendo a era digital e praticamente nada pode ser mantido escondido do público por muito tempo. Se um tirano tem lá os seus pontos fracos (e todos têm), isso rapidamente se torna conhecimento geral. Conforme ressaltou o Governador Tarso Genro na ocasião, o modo dos partidos políticos de fazer e pensar a política mudou radicalmente. Mas muitos ainda não se deram conta. Concordo em absoluto e repito que venho defendendo essa ideia há bastante tempo. E o melhor sinal da mudança é que as revoltas e os movimentos de oposição não são organizados de forma vertical, com líderes mandando e uma grande massa obedecendo, como sempre se deu até então. Agora as revoltas são espontâneas. Basta uma ideia ser publicada em um blog, ou um comentário ser feito em uma rede social, para gerar toda uma reação em cadeia que pode levar até a queda de um regime ditatorial de quase um quarto de século. Estamos a testemunhar um equilíbrio de forças. Os líderes revolucionários do passado teriam inveja do que está a acontecer hoje. Ao menos os mais honestos; os que pregavam que a revolução deve ser um trabalho espontâneo do povo, fruto das suas capacidades e insatisfações. E quando os governos e a sociedade falam em transparência nas relações políticas, é a comunicação online que sempre me vem à mente.

De resto, para além de todas as facilidades de acesso e da horizontalidade nas trocas de informação, e para a democracia para todos e a felicidade geral das nações: há poucos Golias e infinitos Davis online.




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