quinta-feira, janeiro 13, 2011

A lenda do chapéu e a senhorita inexistente

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Este chapéu conta a história de uma senhorita fantasma que, ao contrário dos demais fantasmas, nunca morreu; nem nunca nasceu. Nunca existiu, de fato. Mas está presa aos mortos-vivos que estão presos ao chapéu. Eles são mortos-vivos porque vivem, mas sem imaginação. Suas vidas são meras passagens pela terra. São chatos e ranzinzas porque não intuem, não viajam, não imaginam. Passam o tempo todo presos as suas vidas sem graça, competindo uns com os outros. Ela, a senhorita, não tem um nome; porque se tivesse um, inevitável, passaria a existir.


E ela, a senhorita, tem como missão intuir os que utilizam o chapéu; e os que deles se aproximarem. Suas técnicas são as mais diversas: através de sonhos, de leituras do mundo e até de não fazer nada. O chamado ócio criativo foi ela quem inventou e soprou no ouvido de um sociólogo italiano (Domenico De Masi) que utilizou o termo como título de uma de suas mais polêmicas e aclamadas obras. Dizem que este chapéu já ajudou pessoas como Leonardo Da Vinci, Vincent Van Gogh, Maurits Cornelis Escher, Jorge Luis Borges, Rubem Fonseca, Charles Bukowski, Lewis Carroll, Roger Waters, Coelhinho da Páscoa, Adoniran Barbosa, Will Eisner, Matt Groening, Franz Kafka, Neil Young, Robert Crumb, João Gilberto Noll, Art Spiegelman, Matt Feazell, entre muitos outros.



Ele apareceu lá em casa, de certa feita, quando eu estava deixando de acreditar no potencial do inexistente. Então, sempre que preciso, feito hoje, aqui, eu o utilizo. Mas é necessário ter fé. Acreditar na história contada e em suas entrelinhas. É preciso amar ou odiar a senhorita (sim, ela tem um lado “sadomasô”, fazer o quê!).



Mas há uma questão aí, é bom que fique claro: a cada utilização, uma parte de quem se beneficia dos sopros da senhorita se desprende dessa pessoa e vai parar em alguma plataforma; em algum tipo de suporte: papel, muro, tela, HD, enfim; e daí parte para o mundo. E a pessoa deixa de ser dona exclusiva daquilo que “era seu” e, assim, muita gente que, de um jeito ou de outro acaba por ter contato com esse fragmento desprendido de um único ser, deixa, mesmo que por alguns instantes, de ser morto-vivo. E é bem aí que se completa o ciclo.



De resto, nada mais se sabe sobre a senhorita.






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Um comentário:

Ana Lúcia Pompermayer disse...

Sorte do mundo existir tal senhorita. E tal fazedor de Arte.