terça-feira, janeiro 05, 2010

Noite, chuva e bicicleta

Lehgau-Z Qarvalho





A combinação soou infalível, ainda que quase por acaso. Saíra de casa era dia; e o tempo: instável. Dentro e fora. Acoplara o capacete; suspendera a mente; desplugara a alma. Passara no posto de abastecimento de combustíveis para inflar os pneus. Atravessara a avenida movimentada parando no canteiro central e, logo, seguira em frente. A cada pedalada uma dor a mais; dez a menos. A cada giro, uma nova onda.



Cai a noite e a nau a navegar sob chuva intensa. O brilho dos faróis, da iluminação pública e das promessas de felicidade instantânea em neon a chorar no asfalto. O grito engasgado passa a ter gosto de lágrima. E as endorfinas a desentenderem tudo. E o schfiisss schfiisss da borracha agarrada ao solo a ampliar-se; música, música. Mais duas voltas no quarteirão; a roupa encharcada; volta por cima.

Tenta acoplar, mas a vida em suspenso; um denso; imenso. Precipita soltar, mas o rio é grande; ande, ande, diz a voz. E ele mantra. Mantra, mantra, mantra como se verbo fosse. E (10)água aqui; ali. E schfiisss schfiisss. Neon; farol; escuridão pública. E, de repente, tudo não passa do que passa. E passa; e não; volta; por cima.

Um comentário:

Ana Lúcia Pompermayer disse...

Que bom ler-te aqui, novamente. E ver-te em desenho chuviscado em transparência.