segunda-feira, dezembro 31, 2007

A última noite do ano da coisa que não aconteceu

Lehgau-Z Qarvalho


Era uma pessoa solitária. Pensava que enganava a todos. Que sua vida social era intensa. Que era feliz. Mas não sabia deixar-se amar. Algo acontecera na infância, talvez. Aquelas coisas freudianas. Tinha dúvidas. Se tomava os remédios, ficava mais equilibrada, menos intensa, sem cor. Se não os consumia, podia sentir tudo, até demais. Possuía diversas personalidades. Era inteligentíssima e muitíssimo imaginativa. Porém, imatura a ponto de não saber ver a felicidade bem diante de seus olhos. Ou não querer. Vivia com seus demônios e acreditava que deles ninguém se livra, jamais. Era bela. De uma beleza ímpar. Feições de misturas longínquas. Tinha medos; de ficar sozinha, e de não ficar. Tinha dúvidas; sobre ter certezas, ou deixar-se fluir. Era valiosa, mas pouco acreditava em si. Sim, era infeliz; e disso, sim, já não possuía qualquer suspeição. E, sim, era submissa a sua infelicidade; e disso ainda não se livraria, porque disso ainda não sabia. E nem deixava espaço para vir a saber.

Uma noite, ao tentar segurá-lo, provocando-o e empurrando-o para longe, deixou escapar um sonho pela janela iluminada. E nunca mais o recuperou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vivia com seus demônios...te vi nesta frase, falando ao pé do ouvido. Um beijo
Marzie